quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Alfredo Margarido, um intelectual comprometido

No passado dia 12 de Outubro faleceu em Lisboa, com a idade de 82 anos, o conhecido ensaísta, poeta, ficcionista, tradutor, artista plástico e sociólogo Alfredo Margarido, que era natural de Moimenta, Vinhais, e que foi um dos maiores estudiosos e divulgadores das literaturas africanas de expressão portuguesa, passe a “expressão”, de que não gostava, alertando para o lastro neo-colonialista patente na nomeação: «Não se trata de escrever em língua portuguesa, mas de se manter fiel à expressão portuguesa, o que seria contraditório com a substância nacional da escrita».
Para além do que fez, cuja importância é de realçar, como se pode deduzir a seguir, o mais importante foi a sua posição anti-colonial em locais como eram S. Tomé e Príncipe e Angola e numa altura – década de 50 do século passado - em que era completamente tabu pôr em questão a presença portuguesa nas colónias, posição que prosseguiu até ao fim da sua vida, pois ainda há bem pouco tempo punha em causa o próprio termo ‘descolonização’, afirmando que tal termo «quer simplesmente dizer que foram os portugueses, os colonizadores, que libertaram os dominados, descolonizando-os [...] Vistas assim as coisas, os portugueses aparecem como os únicos actores do processo político: colonizadores graças às malhas que o Império tece, mas também descolonizadores, quando se trata de destecer as mesmas malhas»
Alfredo Margarido foi, antes de mais, um cidadão coerente e um intelectual comprometido, arrostando firmemente com muitas incompreensões e pressões. A sua defesa do conhecido artista surrealista Cruzeiro Seixas, quando este montou uma célebre exposição nas ruínas do Palácio de D. Ana Joaquina, que causou grande escândalo em Luanda, nos idos de 1954, ia-lhe valendo a expulsão da colónia, mas nada o demoveu dos seus propósitos.
Ao mesmo tempo, foi frontalmente autor de uma crítica cáustica à negritude, publicada em livro pela Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, em 1964, defendendo sempre uma visão da literatura como actividade decorrente do processo de produção material e das relações sociais e não das raças, primando, portanto, por uma grande objectividade e independência espiritual.



A obra

Considerado como um dos grandes intelectuais portugueses da segunda metade do século XX, Alfredo Margarido estudou na Escola Superior de Belas-Artes do Porto e chegou a expor os seus trabalhos em Portugal antes de ir viver para África, no início dos anos 50, tendo trabalhado primeiro na produção agrícola em São Tomé e Príncipe, transferindo-se a seguir para Angola, onde foi responsável pelo Fundo das Casas Económicas, corporação que pretendia resolver o problema de habitação da classe média ascendente. Todavia, nos finais de 1957, em consequência de artigos que publicava no Diário Popular, de Lisboa, denunciando situações de discriminação racial, Margarido recebeu do Governador-geral de Angola, Horácio José de Sá Viana Rebelo, uma ordem de expulsão do território, deixando, à pressa, o seu "espólio" literário nas mãos do jornalista Acácio Barradas, recentemente falecido. A partir de 1964 instala-se em Paris, onde se formou em Ciências Sociais e foi investigador da École des Hautes Études, ao mesmo tempo que lançava, com um grupo de exilados portugueses, a importante revista Cadernos de Circunstância.
Além dos problemas africanos, dedicou-se especialmente à sociologia da literatura, tendo-se igualmente salientado como poeta, cuja obra apresenta elementos surrealizantes, bem como ficcionista, qualidade em que foi um dos introdutores do nouveau roman francês em Portugal.
Mas foi como ensaísta e crítico literário que desenvolveu uma actividade mais continuada, tendo deixado disperso por várias publicações um extenso conjunto de estudos, designadamente sobre Fernando Pessoa, um dos autores que mais o interessaram. A cultura portuguesa deve-lhe ainda traduções de obras de Nietzsche, Joyce, Faulkner, Steinbeck e Kafka, entre muitos outros, incluindo Melville, de quem traduziu o gigantesco Moby Dick.
Entre as várias publicações em que colaborou são de salientar os Boletim de Cabo Verde e o Boletim da Guiné, sendo de realçar neste último uma análise da obra de Castro Soromenho e um ensaio sobre o escritor santomense Mário Domingues, que continua injustamente esquecido, apesar da sua importância real.

Rodrigues Vaz

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